Saber que sou carente não foi a melhor experiência da minha vida. Parece que nós, humanos, e até alguns animais, somos portadores de uma carência infinita e eu me incluo entre esses seres. Ao longo da nossa história, vamos elegendo pessoas ou situações que possam, em nossa fantasia, preencher esse vazio enorme. Na infância, são os pais, os avós, ou qualquer pessoa que esteja muito próxima a nós, a quem atribuímos o papel de cuidado e que deveria ocupar esse lugar. Desejamos amor infinito, cuidados infinitos. Porém, como isso não acontece e, logo cedo – na adolescência, por exemplo – descobrimos as limitações de cada pessoa e isso gera uma revolta muito grande. Quem deveria nos amar com um amor perfeito, não é capaz de atender a todas as nossas necessidades. O resultado dessa expectativa frustrada é raiva e cobrança, resumidas em algumas frases, “ninguém me entende”, “ninguém liga pra mim”. Mas, logo, logo, vamos buscar outro alguém que irá ocupar esse lugar, esse desejo infinito que carregamos na alma, de amor incondicional, de atenção absoluta, de compreensão sem limites. Queremos alguém que nos compreenda e que esteja atento às nossas necessidades mais íntimas. Alguém que nos encoraje, apoie os nossos projetos, nos complete, uma alma gêmea. Aí pronto! São páginas e páginas sobre como encontrar a sua alma gêmea. Alguém que caiba nos nossos sonhos. Cazuza, o poeta urbano, disse em uma de suas canções: “pra quem não sabe amar, fica esperando alguém que caiba nos seus sonhos”. Esses versos sempre me intrigaram. Ué... Como assim? Eu quero alguém que caiba nos meus sonhos e esse cara me diz que isso é atitude de quem não sabe amar. Por quê?
Nunca vamos saber o que se passava na mente do autor desses versos, mas eu posso dizer as impressões que eles causam em mim. “Remoendo pequenos problemas, querendo sempre aquilo que não tem.” Essa sou eu, com um sentimento enorme de incompletude e para preencher o vazio que existe em mim, vou elegendo pessoas ou ideais de vida para ocupar esse lugar. Quando descobri, um pouco tarde, que ninguém pode caber nos meus sonhos, pois toda pessoa é sempre menor que as minhas projeções, e que eu também não posso ocupar esse lugar na vida de ninguém, foi um alívio! Mas não basta saber disso.
A questão é que esquecemos que entramos na vida de algumas pessoas livremente e não podemos ter a posse das nossas relações – nem ficar cobrando o tempo todo. Pois, nada e nem ninguém pode caber nos nossos sonhos, nem preencher o nosso vazio. Pelo menos nada, que seja finito e limitado como nós.
Essa é a questão, a nossa carência é infinita, o nosso vazio não tem limites. Vivemos entre experiências que dão sentido a nossa vida e outras que não carregam o menor sentido. Saber transitar entre essas situações será o que definirá a nossa saúde emocional. Ter a consciência de que somos sozinhos e portadores de um enorme vazio, nos ajuda a ser receptivos com as pessoas que estão ao nosso lado, sem desejar manipulá-las ou instrumentalizá-las para satisfazer as nossas necessidades. Ninguém merece ocupar esse lugar. As nossas relações, quando possível, deveriam ser pautadas pela gratuidade e pela generosidade. Saber que somos carentes é um bom caminho para não deixar que a nossa carência infinita trague os nossos relacionamentos, por causa do imenso vazio da nossa alma.
Saber que ninguém vai ocupar esse papel, cumprir essa tarefa, é um caminho de libertação. Caminho para se libertar das cobranças, de buscar culpados, de alimentar frustrações. Não é culpa de ninguém, somos todos finitos, limitados, todos e todas. Ninguém pode ser responsável pela felicidade de ninguém, isso é um peso, uma responsabilidade que pouca gente pode aguentar. Que tal se, ao invés de sair por aí correndo atrás do vento, colecionando mágoas e descontentamentos, podermos nos conscientizar que somos sozinhos? E por este motivo mesmo, as pessoas são bem-vindas na nossa vida, não para nos completar ou preencher o nosso vazio, mas para ficar o tempo que se sentirem bem. Tendo a liberdade de terem o seu próprio espaço, assim como temos o nosso.
Ter consciência de que somos infinitamente carentes, que dentro de nós existe um vazio enorme, e que ninguém pode ocupar esse espaço, pois somos insaciáveis, não deve nos levar ao sentimento de desespero. Afinal somos humanos, humanas. O sentimento de falta é algo que nos impulsiona, uma das marcas da nossa condição humana. Sempre vai existir um sentimento, uma questão, um desejo não satisfeito, uma mágoa escondida. O que fazer, então? Desistir da vida em comunidade? Em família? Desistir de ter uma vida amorosa? Claro que não. Relacionar-se é a melhor coisa do mundo. Tomar um café com uma amiga, rir das bobeiras do seu melhor amigo, ver um filme no sofá com os filhos, lembrar-se das brincadeiras de infância com suas irmãs, beijar o seu amor. Tanta coisa boa. Mesmo que tenhamos essas coisas, ainda assim, seremos acometidos de um sentimento de vazio, de falta, mas tudo isso vale a pena.
Como não ser tomado por um sentimento de ceticismo e de pessimismo, então? Para evitar esses sentimentos, eu só posso indicar o conselho dos clássicos: para um desejo infinito, só um ser infinito pode saciar. Só Deus pode saciar a nossa carência infinita, só Ele pode preencher o vazio da nossa alma e nos devolver o sentido da vida. Agora não se engane: isso não é de uma vez por todas. É preciso uma busca, uma jornada. Assim como nos perdemos em nossas relações humanas, nos perdemos de Deus, nos distraímos e vamos buscar em outras fontes. Mas Deus sempre pode ser encontrado. “Buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo vosso coração”. (Jeremias 29,13). Ele é o Deus que vem. Só precisamos nos voltar para Ele. E quando a nossa correria nos levar para o esquecimento e mais uma vez voltarmos as nossas expectativas, demasiadamente, para as nossas relações finitas, cobrando, resmungando, Ele estará perto de nós. Ele vai sussurrar bem baixinho, para não nos assustar, pois Ele é como uma brisa suave: “- estou bem aqui, perto, não tenha medo de se assumir carente e frágil, eu cuido de você, sei quem você é. Conheço seus sonhos e seus anseios. Estou aqui”. Que Ele nos ajude nessa jornada.
Fica com Deus, até o próximo texto. Lembre-se de curtir, compartilhar com seus amigos e deixar o seu comentário aqui. Grata! Silvana Venancio.
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